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A Continuidade Empresarial em Caso de Falecimento de Sócio: Uma Visão Atualizada

A morte de um sócio em uma sociedade empresarial é um evento que pode trazer grande impacto para a continuidade dos negócios. Historicamente, a transição e continuidade da empresa dependiam de procedimentos burocráticos complexos, como a exigência do alvará de partilha do inventário para a transferência da participação societária. No entanto, com a evolução das normas e regulamentos, essa realidade tem mudado, permitindo maior celeridade e eficiência na administração das empresas, caso o contrato social empresarial assim disponha.

Até pouco tempo atras, a Junta Comercial exigia o alvará de partilha do inventário para a transferência das quotas ou ações do sócio falecido e alteração contratual. Esse documento, emitido pelo juiz após a conclusão do inventário e a partilha dos bens, era um pré-requisito indispensável para que os herdeiros pudessem ingressar na sociedade ou para que a participação do sócio falecido fosse transferida a terceiros ou aos sócios remanescentes.

Esse procedimento, embora visasse garantir a legalidade e a transparência na sucessão societária, frequentemente resultava em longos períodos de incerteza e estagnação para a empresa. A demora na conclusão do inventário poderia comprometer a gestão e a continuidade das operações, especialmente em empresas cuja atividade dependia diretamente da atuação dos sócios.

No entanto, após a lei de liberdade econômica, passou-se a dar prioridade a continuidade empresarial e à vontade das partes em relação ao contrato privado, sem, contudo, deixar de lado as regras elencadas no direito sucessório, art. 1.028 CC, que prevê duas possibilidades principais em relação ao falecimento de sócios: as quotas serão liquidadas e o valor apurado pago aos herdeiros, ou os herdeiros ingressarem na sociedade, evitando assim a dissolução parcial da empresa.

Para o Direito Societário, no entanto, especialmente nas sociedades do tipo limitada, com o falecimento faz-se necessário verificar a destinação das quotas do sócio falecido de acordo com o que prevê a lei e também o que escrito no contrato social da empresa.

Desta forma, a liquidação das quotas implica que as quotas do sócio falecido serão vendidas, e o valor obtido dessa venda será pago aos herdeiros. A data de apuração do valor das quotas é a do óbito do sócio, e a avaliação do valor é feita considerando a situação financeira da empresa nesse momento. Esta é a regra geral aplicada quando não há outra previsão no contrato social da empresa.

O ingresso dos herdeiros na sociedade necessita de registro especifico no contrato social e significa que os herdeiros assumem a posição do sócio falecido, tornando-se novos sócios da empresa. No entanto, se o contrato social prevê esta possibilidade e os herdeiros concordam em ingressar na sociedade, os sócios remanescentes não podem se opor. O princípio da livre associação, garantido pela Constituição Federal (art. 5º, XX, CF), assegura que ninguém é obrigado a se associar contra sua vontade. Portanto, os herdeiros têm o direito de optar por não ingressar na sociedade, mesmo que o contrato social permita, e nesse caso, a solução também será a liquidação da sociedade.

Desta forma, caso não ocorra o ingresso dos herdeiros, seja por ausência de previsão contratual ou por falta de vontade dos herdeiros, as quotas do sócio falecido serão liquidadas com o pagamento dos haveres aos herdeiros, cuja data de apuração será a do óbito.

 

Dito isso, percebe-se que o contrato social é um documento essencial que rege as regras de funcionamento de uma sociedade. E a lei lhe garante o poder de incluir disposições específicas sobre o que deve acontecer com as quotas de um sócio falecido.

No entanto, apesar de o contrato ser a lei que rege a sociedade, como dito acima, para o registro da alteração contratual após a morte de um dos sócio, a Junta Comercial sempre exigiu a apresentação de alvará judicial que autorizasse a alienação das quotas do falecido, ou a escritura de inventário extrajudicial, com o intuito de resguardar o patrimônio dos herdeiros.

Contudo, desde do dia 21/03/2022, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) divulgou a sua decisão do Recurso ao DREI nº 14022.116144/2022-57, no qual decidiu pela validade de cláusula de contrato social que deliberava pela alienação automática de quotas de sócio falecido ao sócio remanescente, em respeito à autonomia privada e ao livre exercício da atividade econômica, sem a necessidade de apresentação de alvará judicial à Junta comercial.

 Referida decisão é fruto de um recurso interposto pela Procuradoria da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (JUCERJA) em razão da sua discordância pelo deferimento do registro da 2ª Alteração do contrato social de uma empresa LTDA, a qual tratava da cessão e transferência automática e onerosa de quotas sociais, após o falecimento de um sócio, para os outros sócios ainda vivos.

Tal alienação automática era prevista expressamente no contrato social e, portanto, não necessitava de apresentação de alvará judicial ou escritura pública de partilha para que fosse efetivada, os quais haviam sido exigidos pela JUCERJA quando do registro do ato societário e que deram ensejo ao recurso das partes interessadas.

Em sua decisão, o DREI concluiu que é lícito aos sócios de sociedade limitada dispor em contrato social acerca dos efeitos do falecimento sobre suas quotas, tendo em vista que o instrumento era descritivo e objetivo quanto ao procedimento de cessão e transferência automática de quotas, juntamente com a forma de apuração de seu valor contábil.

O DREI sustentou que é totalmente válido e lícito o cumprimento da cláusula do contrato social que prevê a ocorrência de morte de sócio de uma sociedade limitada, tendo em vista o conteúdo previsto no art. 1.028, inciso I, do Código Civil de 2002, "no caso da morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo (I) se o contrato dispuser diferente".

A flexibilização promovida pelo DREI traz diversos benefícios para as empresas e seus sócios, dentre a possibilidade de a empresa continuar suas operações sem interrupções, mantendo a estabilidade e a confiança de clientes, fornecedores e colaboradores. Ao permitir a transferência direta das quotas ou ações, a nova abordagem também reduz significativamente o tempo necessário para a regularização da situação societária, evitando a morosidade conhecida dos processos de inventário.

 

Vale destacar a importância deste precedente no que diz respeito à liberdade contratual entre as partes, garantindo a proteção da livre iniciativa e ao livre exercício de atividade empresarial. Com a decisão do DREI, abre-se a possibilidade de os sócios estabelecerem mais opções de regras de sucessão empresarial. Isso permite que a sociedade continue com os sócios remanescentes e garante os direitos patrimoniais dos herdeiros. Por isso, é essencial que os sócios revisem e atualizem seus contratos sociais para refletir essas possibilidades e assegurar uma transição suave e justa em caso de falecimento de um sócio.

No entanto, apesar da flexibilização promovida pelo DREI quanto à necessidade do alvará de partilha para alteração contratual, é importante destacar que a exigência do inventário e o pagamento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre o valor das cotas transferidas permanecem inalterados. O inventário é um processo essencial para a regularização da sucessão patrimonial, assegurando que todos os bens do falecido sejam devidamente contabilizados e transferidos conforme a lei.

A alteração que passou a permitir o registro automático do contrato social na junta comercial não tem o condão de alterar a legislação sucessória.

 

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